Ricardo Mituti estreia como colunista do Blog Tesão Literário, de PE

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No último dia 5, estreei como colunista do blog Tesão Literário, no portal pernambucano Ver Agora.

O convite me foi feito pelo querido irmão das letras Sidney Nicéas, editor do blog.

Mensalmente, assinarei a coluna Lego Ergo Sum, na qual procurarei estabelecer conexões entre a literatura e temas existenciais e humanos, a partir da experiência acumulada como participante e coordenador de Laboratório de Leitura (LabLei).

Os textos também ficarão disponíveis neste blog.

A propósito, aproveito a oportunidade para aqui deixar o primeiro deles: Tenho bode de Descartes

Prestigie!

 

Tenho bode de Descartes
Por Ricardo Mituti

Estrear uma coluna com um título deste é de lascar, reconheço. Mas antes que algum hater considere a possibilidade de criar um meme com minha foto ardendo numa fogueira, alerto: trata-se de uma singela brincadeira para justificar a infame tentativa de trocadilho que dá nome a este espaço, para o qual fui convidado a colaborar pelo meu querido amigo e irmão das Letras Sidney Nicéas, o homem do tesão (agora, sem trocadilho).

O filósofo francês René Descartes tem todo meu respeito, evidentemente. Afinal, uma inteligência capaz de formular o método científico não é para qualquer mortal.

Meu problema com ele, na verdade, está no tal Cogito Ergo Sum. Será que eu só existo porque penso, mesmo?

Sempre tive certeza que sim. Embora emotivo até as tampas, do tipo que chora com comédia romântica, sou tão racional que nem eu me aguento. Achava que sofria de transtorno bipolar ou tinha dupla personalidade em virtude dessa ambiguidade até então inexplicável.

Mas em 2017, enquanto produzia uma edição do meu saudoso Epígrafes – ressuscitado neste Tesão Literário numa charmosa versão Review –, I saw the light. Gosto de pensar que vivi uma experiência de quase-morte intelectual.

Descobri o livro “A Literatura como Remédio – Os Clássicos e a Saúde da Alma” (Martin Claret; 2017), do historiador, professor e pesquisador Dante Gallian. Nele, o autor apresenta o Laboratório de Leitura, uma vivência de humanização pelos livros surgida em 2003 na Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (EPM-UNIFESP), para humanização do ensino da saúde, e hoje aplicada em diversos âmbitos – inclusive em empresas.

O Laboratório não é clube do livro, tampouco biblioterapia; o LabLei, como é chamado pelos participantes, é uma experiência estético-reflexiva, coletiva, que se propõe a debater temas existenciais suscitados sobretudo nos grandes clássicos da literatura universal.

Em termos práticos, para facilitar a compreensão de quem chegou até aqui, não importa se Capitu traiu Bentinho ou não; o que vale é falar sobre amor e confiança. Se Machado era um autor realista ou se o narrador da obra é onisciente? Deixemos isso para o ultrapassado ensino de Literatura das escolas (sinto muito pelos alunos e alunas que pegam trauma dos livros em virtude dessa forma equivocada de “transmissão de conhecimento”).

Com a ajuda de Gallian, de sua obra e de seu método, foi fácil substituir um filósofo francês por outro: afeiçoei-me a Montesquieu, para quem a humanização nada mais é do que a ampliação da esfera da presença do ser – e como eu acho lindo este pensamento!

Entendi, finalmente, que a literatura, enquanto expressão artística, é despertadora. Ela mexe com meus afetos, me faz pensar e ter vontade de ser alguém melhor. Quem sabe, como Ulisses, o herói homérico que virou minha bússola depois que viajei a Ítaca pelas páginas da Odisseia.

Aristóteles dizia que a existência humana possui três dimensões: afetiva, reflexiva e volitiva. Os livros, no contexto da experiência do Laboratório de Leitura, provaram-me isso na prática. E foi daí que nasceu meu bode com Descartes.

Cogito Ergo Sum? Não para mim. Sou muito mais do que meu pensamento. Aquilo que eu achava ser transtorno bipolar nada mais é do que a condição prismática da existência. A literatura e o Laboratório de Leitura fizeram com que eu me conhecesse melhor e mais profundamente; ampliaram a esfera da presença do meu ser e me tornaram mais humano.

Com a devida permissão, estimado René, Lego Ergo Sum. Eu sou, porque eu leio. E a partir de agora, toda primeira sexta-feira de cada mês, vou usar deste espaço para tentar mostrar – ainda que não cientificamente, como o faria Descartes – de que modo essa vivência humanística baseada nos clássicos da literatura pode servir como facilitadora desse processo.

Se ainda ficou pouco claro, deixo uma explicação do próprio Dante Gallian para encerrar: Ao oferecer um conhecimento diferente do conhecimento convencional ou científico, ela [a literatura] possibilita compreender os comportamentos e motivações humanas de uma forma mais ampla e profunda, que vai além da visão algorítmica e que incorpora a emoção, a empatia e a intuição. (“A Literatura como Remédio – Os Clássicos e a Saúde da Alma”).

Durma com essa, Descartes.

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