Já está no ar minha crônica de fevereiro de 22 no blog Tesão Literário, no portal pernambucano Ver Agora.
Na Lego Ergo Sum deste mês, falo sobre minha luta pessoal para não não deixar o riso cair em desuso nestes tempos tão carrancudos e obscurantistas. Para isso, nada melhor do que recorrer ao gênio do humor Luis Fernando Verissimo e às suas “Comédias Brasileiras de Verão”.
Confira!
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Saudade de rir
Por Ricardo Mituti
O segundo livro que li neste ano foi “Comédias Brasileiras de Verão”, do mestre Luis Fernando Verissimo. E resolvi ler Verissimo, e precisamente este título, porque traumatizei depois de concluída a leitura de outra Comédia, certamente a mais famosa delas: a Divina, de Dante Alighieri. Sim, senhoras e senhores, eu li “A Divina Comédia”. E fiquei tão mal humorado, mas tão mal humorado com essa narrativa que precisava desopilar o fígado.
Breve interregno: a despeito de ser um dos principais clássicos da literatura universal, fundador da língua italiana, pilar da cultura latina, e de tratar de questões humanas atemporais e relevantes a todos nós, mortais – portanto, de valor incontestável –, a “Comédia” de Dante é um livro dificílimo. E, apedreje-me se quiser, achei-o chato pacas! Daí meu mau humor quando terminei o terceiro e último livro da obra, o “Paraíso” – o mais ininteligível e maçante dos três que a constituem, na minha singela opinião.
Mas voltemos a Verissimo e a suas Comédias nada aristotélicas.
Quem me conhece sabe que tenho em Verissimo um ídolo das letras. Foi por causa dele que decidi começar a escrever. E foi na produção dele que me inspirei, descaradamente, para escrever meu primeiro livro, o Histórias (Quase) Verídicas.
Quando tive a honra de conhecer Luis Fernando Verissimo, pedi a ele que autografasse “Todas as Histórias do Analista de Bagé”, o livro mais engraçado que já li em toda minha vida. Lembro-me que o lia de madrugada, e não foram poucas as vezes que minha mulher, compreensivelmente emputecida, gritava do quarto para eu rir mais baixo. Eu gargalhava de chorar. Ria que doía a barriga.
Mas seria injusto se creditasse a necessidade de ler Verissimo apenas ao meu bode com “A Divina Comédia”. Não, não foi só culpa de Dante. Na verdade, recorri ao ídolo porque estava com saudade de rir. Sim, é isso mesmo; você não leu errado: estava com saudade de rir.
Não sei se é culpa do excesso de responsabilidade ou do mestrado, do tempo que me falta ou do vermelho no banco, da lombar ou da ansiedade, da maldita pandemia que não acaba ou de Brasília, fato é que me dei conta que tenho rido muito pouco nos últimos tempos.
Um querido amigo diz que temos levado a vida muito a sério – e a nós mesmos também (ou sobretudo a nós mesmos, vá lá). E a primeira-dama costuma falar que sou muito certinho (um chato, em outras palavras). Se eu ao menos tomasse uma cervejinha ou um vinhozinho de vez em quando, talvez fosse menos carrancudo. Mas tornei-me abstêmio já faz algum tempo. E estou reduzindo a ingestão de açúcar em respeito aos 43 recém-completados e a tudo aquilo que, às vezes, acompanha a chegada da idade, como o pneu abdominal e a glicemia mais alta. No final das contas, parece, a vida ficou mesmo bem sem-graça.
Mais jovem, lembro-me, gargalhava com acontecimentos triviais – e com o que fosse tipicamente caricato. Uma piadinha mais besta e eu desembestava. Acabava-me de rir com Austin Powers e Ace Ventura. Gargalhava de dar vexame na clássica cena dos flatos à mesa em “O Professor Aloprado”, na versão de Eddie Murphy, e com Mr. Bean dançando Mr. Bombastic em “As Férias de Mr. Bean”. Alguns amigos me apelidaram de Muttley – aquele cachorro parceiro do Dick Vigarista, da “Corrida Maluca”, cuja risada era marca registrada; outros, de Fafá de Belém. Rir, portanto, nunca foi um problema para mim; muito pelo contrário.
E onde foi que eu me perdi, então? Não sei! Há quem diga que é culpa da intelectualidade – e eu sempre respondo que não sou um intelectual, mas pouca gente acredita. Seja qual é ou foi a razão que me trouxe até aqui, a verdade é que cheguei a temer ter desaprendido a rir – e a gargalhar, então, nem se fala! Até que tirei Verissimo da biblioteca e percebi que nem tudo estava perdido, felizmente. Que um homem abstêmio, responsável, mestrando, sem tempo, endividado, com lombociatalgia, ansioso, (ainda relativamente) confinado – porém vacinado, claro! – e que se orgulha de não ter votado em aberração tem, sim, a capacidade de rir e de gargalhar, da vida e de si próprio.
Na crônica “O Outro”, integrante das Comédias, Verissimo filosofa com a mordacidade que lhe é peculiar: Somos o que somos ou o que dizemos que somos? Ou, em termos ontológicos, o Homem é o que é o ano todo ou é o que é no Carnaval da Bahia?
Eu, que nunca passei o Carnaval na Bahia – quiçá seja esta a razão do aparecimento desse aspecto mais macambúzio, digamos, da minha personalidade nessa altura da vida –, só sei que preciso mudar o curso das coisas. Com urgência. E pelo bem do meu fígado, que tanto prezo. Nem que, para isso, tenha de recorrer menos a Alighieri e sua turma e mais a mestre Verissimo ou a Austin Powers, Ace Ventura, Professor Aloprado e Mr. Bean. Porque, no fundo, quem tem razão é o Borba, sábio amigo do narrador de “Conto de Verão Nº 4: Quando Ela Aparecer”, mais um daqueles personagens impagáveis do meu ídolo: (…) hoje em dia, para sobreviver, “you have to turn around”.
Sim, caro Borba, você está certo. “But you have to laugh too”. Porque, como cantava o inesquecível Bozo – o palhaço do SBT, não o negacionista –, não menos sábio do que você e mais filósofo do que muito coach de quinta categoria, “pra viver é melhor sempre rir” (ou, se preferir, “to live it’s always better to laugh”).